segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Telefone


O problema não é a tecnologia em si. Muito menos os meus problemas de comunicação.

O problema é o telefone. Qualquer um deles.

Em primeiro lugar, o telefone sempre fura a fila. Ás vezes a gente tá na fila pra ser atendido, e pode estar a maior fila do mundo, se o telefone tocar, a atendente sempre atende o telefone. E ás vezes é pra fazer exatamente a mesma coisa que a gente que tá na fila quer fazer. É claro que eu não sou tão chato a ponto de sugerir que, quando alguém telefonar, a atendente diga 'espera um pouquinho que tem 52 pessoas na sua frente', ou que, já que a pessoa que ligou não pode estar fisicamente na fila, se coloque um boneco segurando um papel com o telefone. Mas eu acho que ela não devia nem atender o tal do telefone. Só que as pessoas tem uma curiosidade enorme de saber quem está ligando, mesmo com essa história toda de modernidade e identificadores de chamada.

Em segundo lugar, ninguém nunca desliga o telefone celular no cinema, em palestra, em lugar nenhum. E sempre no começo de algo assim, alguém pede encarecidamente que todos desliguem os celulares. Mas é apagar a luz e lá vem um tocando. Acho que as pessoas não conhecem mais Murphy.

E no ônibus? eu não sei se é pelo fato do celular estar em movimento, ou se é por que quem usa celular em ônibus certamente tem um aparelho ferrado e pré-pago e por isso a ligação é um lixo, mas eu sei que é sempre um lixo. Fica sempre naquela mesma repetição: 'Alô? oi? não, tô no ônibus. No ônibus! Não, tô indo pra casa! Quem? Não, tô no ônibus! Tá! Quê? Tô indo pra casa!'. E algo que era pra ser dito em dez segundos, acaba ocupando 5 minutos. E é sempre a mesma coisa: Quem atende telefone no ônibus sempre tá indo pra casa.

Sem contar que atender o telefone no ônibus significa gritar. Obrigatoriamente.

Tem também aquelas pessoas que ouvem 'música' no celular. E sempre sem fone de ouvido. De que adianta gastar 500 reais num aparelho, e depois não ter 1,99 pra comprar um fone?

Agora, a coisa mais odiosa do mundo é o tal do nextel. Eu sei que, na verdade, aquilo é um rádio e não um telefone, mas acho que isso torna mais irritante ainda. Sempre que eu vejo alguém falando em nextel, lembro daqueles adolescentes que não tinham grana pra colocar créditos no celular, e falavam 'de três segundos', já que existia uma lenda de que a ligação só era cobrada a partir de três segundos, algo assim. Aí, o mesmo tempo que eles levavam pra avisar alguém de que iam pra casa, era o tempo que levavam pra chegar de fato em casa.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Lave Seu Sofá


-Alõ?

-Alô, bom dia?

-Bom dia.

-É... eu.. eu vi o anúncio de vocês, num poste, e...

-Que anúncio?

-É... tava em um poste, ali na...

-O que dizia no anúncio?

-Dizia 'Lave seu sofá', e tinha esse telefone embaixo. Desculpa, eu..

-Não, tudo bem. Em que posso lhe ajudar?

-Então, eu...

-Seu sofá está sujo?

-Sim.

-E tu ligou por isso?

-É.. eu...

-Ele está muito sujo?

-Não, não.. até que não

-Que tipo de sujeira tem nele?

-Como assim?

-Que tipo de sujeira, ora. Não tá sujo? então tem que estar sujo de alguma coisa.

-Ah, isso. Bem, tem umas manchas de.. acho que é molho, e...

-Que mais?

-Isso é necessário?

-Cara. Tu ligou aqui, e disse que o teu sofá tava sujo. Eu preciso saber que tipo de sujeira tem nele. Se não quiser falar, pode desligar.

-Tá bom, tá bom. Tem mancha de molho, de poeira, tem pelo de cachorro e..

-Pelo de cachorro? Tu deixa teu cachorro dormir no sofá?

-É, deixar a gente não deixa, né? mas ele sempre deita mesmo assim..

-Só isso?

-É acho que é só. Sai muito caro?

-Caro pra quê?

-Como assim, caro pra quê? Vocês não lavam sofá?

-Claro que não, tá pensando o que? que eu vou ir na tua casa lavar teu sofá imundo, cheio de pelo de cachorro? Tá doido, é?

-Mas e o cartaz no poste?

-Que é que tem?

-Não quer dizer que vocês lavam sofá?

-Claro que não! No cartaz diz 'Lave seu sofá'. Não tá dizendo que vou lavar o sofá de ninguém. Além de relaxado, ainda é preguiçoso, é?

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Eutanásio


00:10
-Acorde, Eutanásio.
Eutanásio. Homem comum, trabalhador, pai de família, vota no PT e torce pro Caxias.
-Vamos lá, Eutanásio.
Ele se levanta.
-Agora, vá até o banheiro, Eutanásio. Mas não faça barulho, ninguém pode ver.
Ele calça as havaianas, e vai, pé ante pé, sem fazer barulho. Eutanásio é muito cuidadoso.
-Muito bem, muito bem. Agora faça, Eutanásio.
Ele hesita por um momento.
-Vamos lá, eu sei que você consegue.
Então, ele levanta o pé, mete dentro da privada e dá a descarga.
-Muito bem, Eutanásio! Eu sabia que você conseguiria! Agora, volte pra cama antes que percebam algo.
Ele volta pra cama, com um sorriso de orelha à orelha estampado no rosto.
Isonilda, a esposa, sente algo gelado nos pés.. ou seria úmido? Bobagem. Deve ser um sonho. Ela volta à dormir.

00:09
-Acorde, Eutanásio. Já sabe o que fazer.
Ele se levanta, calça as havaianas, e vai até o banheiro, pé ante pé. Chega no banheiro, mete o pé na privada e puxa a descarga.
-Eutanásio, a noite passada a sua esposa desconfiou. Temos que ser mais cuidadosos.
Ele pensa por um minuto. Então, pega uma toalha de rosto branca e seca o pé nela. No outro dia, a empregada acha meio estranho a toalha estar manchada de azul, mas ela não diz nada. Afinal, eles nunca atrasam o pagamento, passam o dia fora e Isonilda sempre compra os produtos da Avon que ela vende, então não há do que reclamar.

00:10
Eutanásio está na cama, mas não consegue dormir. Ele fica esperando, e nada. 00:30, quinze pra uma..e nada. Quando já é uma hora…
-Desculpe o atraso, Eutanásio. Tive alguns contratempos. Mas vamos lá, já estamos atrasados.
Ele não se mexe.
-Ora, vamos, o que é isso? Você ficou chateado?
Nada.
-Tudo bem. Desculpe. Não vai acontecer de novo, ok? Agora vamos, por favor?
Ele se levanta, com um imperceptível sorriso no canto da boca. Vai até o banheiro, mete o pé na privada, puxa a descarga, mas… Algo acontece! A empregada não deixou toalha no banheiro!
-Pense rápido, Eutanásio!
Ele se dirige à cozinha e pega um pano de secar pratos, que está sobre a mesa, e seca o pé nele.
-Nossa, essa foi por pouco hein? Acho melhor pararmos por um tempo, está ficando cada vez mais arriscado.
Mas essa é a melhor parte. Eutanásio gosta de viver perigosamente.
-Não podemos ser descobertos. Se houverem testemunhas, teremos que tomar atitudes drásticas.
Ele se convence. Eles vão dar um tempo.
No outro dia, na hora do café, estão Lucicleide, a esposa, e Marinalda, a filha do casal.
-Mãe, o pai tá fazendo aquelas coisas estranhas.
-Mas de novo? ele não tinha parado?
-Sim, mas eu sempre escuto ele indo no banheiro de madrugada.
-Ora, mas o que tem de mal em ir no banheiro de madrugada?
-É que ele sai de lá rindo.
-Acho que vou dizer pra empregada pôr menos alho na comida.
No outro dia, a voz não vem. E nem no próximo. E ele se sente orgulhoso de si.